O avanço da Frente Nacional no primeiro turno da eleição presidencial
francesa acompanha uma longa tradição da extrema-direita na França e a mutação
contemporânea dos movimentos populistas na Europa, afirmou o historiador
Pierre-André Taguieff em entrevista à AFP.
Os movimentos de extrema-direita não são novos na história da França, basta
citar o caso Dreyfus, que inspirou o célebre artigo de Emile Zola "Eu acuso", no
final dp século XIX, ou o governo colaboracionista de Vichy durante a Segunda
Guerra Mundial, mas quais são os pontos comuns entre eles e a atual ascensão da
ultradireita?
"Desde o final do século XIX, esses partidos nacionalistas combinam de
diversas maneiras a dimensão contestatória e a dimensão identitária. A primeira
se baseia em um antiparlamentarismo virulento; a segunda, em um nacionalismo
xenófobo de base etno-racial ("estrangeiros fora", "morte aos judeus)",
ressaltou Taguieff, historiador especialista em racismo e o antisemitismo.
"Na França, predominam os ''anti'', o voto ''contra''. Este é um terreno
favorável cultural e antropológico, onde prospera a extrema-direita",
acrescentou.
"Outro elemento é que na França, desde 1945, há uma rejeição ao nacionalismo
que o relega à margem do consenso republicano, mas há regularmente retornos do
relegado", ressaltou.
Para ele, há um "paradoxo" no país, que "aceita a assimilação permitindo ao
estrangeiro se dissolver a ponto de ser invisível, mas que pode ser sumamente
xenófobo quando existe a menor suspeita de que o estrangeiro queira permanecer
alheio à cultura e à identidade francesas".
O avanço de Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, não ocorre ao acaso?
"O atual avanço não é um acidente, mas tem dimensões inéditas. O novo FN se
inscreve na tradição da extrema-direita francesa, mas levando em consideração
transformações da extrema-direita na Europa a partir dos anos 90", respondeu
Taguieff.
Ele acrescentou que essas mutações são "o abandono progressivo de referências
ao fascismo e ao nazismo para ter como foco a questão da imigração e da cultura
muçulmana dos imigrantes, e o abandono do antissemitismo na maioria dos
partidos".
"Este é um componente que foi sendo desenvolvido depois do 11 de Setembro de
2001, quando o ''perigo islâmico'' substituiu o ''perigo judeu''", considerou o
historiador.
Na Europa, "as novas formas de populismo são caracterizadas por sua
orientação antipolítica. Em seus discursos públicos, já não se opõem à
democracia liberal pluralista, mas pretendem defender valores: liberdade de opinião, laicismo, igualdade homens-mulheres, etc. Ou seja, a
rejeição da islamização está inscrita em um registro de valores e de normas".
Esses movimentos "têm todos os principais traços do nacional-populismo
lepenista: apelo ao povo contra as elites, apelo à mudança que implica uma
ruptura purificadora" o apelo para "limpar o país de elementos que,
supostamente, não podem ser assimilados".
Por que os eleitores franceses já não têm vergonha, como antes, de dizer que
votam neste partido?
"O novo FN absorveu um certo número de movimentos claramente neofascistas e
os transformou em um grande movimento nacionalista conservador", afirmou.
"Marine Le Pen se redefiniu, pretendendo romper com o antissemitismo", já que
"a nova ameaça é representada pelo Islã".
Com isso, "abandonou o anticomunismo, agora antiquado", e adotou novos temas,
como a "antiglobalização, a crítica à construção europeia e o medo da
islamização", analisa o historiador.
"Esses novos tipos de rejeição são amplamente compartilhados pela população.
Marine Le Pen assumiu as questões ideológicas predominantes. A culpa se evaporou
porque seu discurso deixou de lembrar o discurso neofascista das velhas
extremas-direitas europeias que prevaleceu entre 1945 e 2000", ressalta
Taguieff.
"Antes o FN era perigoso para a democracia, mas não tinha a menor
possibilidade de produzir realmente efeitos porque estava totalmente
marginalizado. Hoje é perigoso para a sociedade francesa porque há riscos de que
penetre no espaço político dos partidos que critica", concluiu o historiador.