sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

País destina orçamento ínfimo para a regularização fundiária

O principal programa federal para regularização fundiária ficou com apenas 0,3% do orçamento total do Ministério das Cidades dirigido para a área de urbanização nos últimos cinco anos. De um montante de R$ 7,7 bilhões, so­­mente 22,9 milhões foram in­­vestidos no projeto Papel Passado.
Além da pouca verba disponível, faltam critérios técnicos para a distribuição. O estado que mais recebeu recursos do programa entre 2007 e 2011 foi o Mato Gros­­so, que tem apenas 1,7% de do­­micílios em aglomerados subnormais, segundo o Censo 2010. Já o Ama­pá, com 15% de moradias ina­­dequadas, não recebeu nada. O le­­vantamento foi baseado em dados do Portal da Transparência.

Advogado cria empresa para mediar acordos Em 2001, o advogado curitibano André Albuquerque criou uma empresa especializada em regularização fundiária que se tornou exemplo para a maioria das prefeituras e estados. Cumprindo um papel que, em tese, é responsabilidade do poder público, a Terra Nova participou da regularização de lotes de aproximadamente 10 mil famílias em todo o Brasil – 7 mil só no Paraná.
A empresa atua como mediadora em zonas de conflito agrário, negociando um valor justo para a legalização de assentamentos precários. Depois, intermedia a homologação de um acordo judicial entre ocupantes e proprietários, que garante o título de propriedade no fim do pagamento.
Cada ocupante paga o valor que pode no tempo necessário. As parcelas são, em média, de R$ 200, mas há negociação especial com as famílias de maior vulnerabilidade. A inadimplência é praticamente nula. A etapa seguinte é elaborar um plano de urbanização seguindo as normas municipais e dialogar com os gestores para a implantação de equipamentos públicos.
“Somos uma empresa do chamado setor dois e meio. Nosso foco final não é o lucro, mas o impacto social”, afirma Albuquerque. Ele já foi premiado com o título de empreendedor social da Ashoka e ficou entre as melhores iniciativas na área de habitação segundo a UN-Habitat, órgão das Nações Unidade para o setor.
Pinheirinho
Apesar da boa vontade, o trabalho nem sempre é bem-sucedido, principalmente quando há interesses políticos envolvidos. Albuquerque foi convidado a atuar na região do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), em 2009, que foi recentemente desocupada à força pela polícia.
O advogado conversou com o responsável pela massa falida, proprietária da área, e com os gestores municipais, mas esbarrou no envolvimento político de uma liderança da ocupação, que se negou a negociar porque teria uma promessa de que o governo federal desapropriaria a área. Sem isso, não foi possível levar o trabalho adiante.
Depois do Mato Grosso, os estados que mais receberam foram São Paulo (R$ 4,3 milhões), Minas Ge­­rais (R$ 2,1 milhões), Rio de Janeiro (R$ 1,7 milhão) e Amazonas (R$ 1,4 milhão). Maranhão e Piauí também ficaram sem recursos.
Antônio Menezes Júnior, assessor técnico da Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas Ur­­banos (responsável pelo programa), diz que a escassez de recursos se deve ao privilégio dado pelo go­­verno para ações de urbanização den­­tro do Programa de Ace­­leração do Crescimento. Ele diz que, a partir de 2007, o Pa­­pel Passado so­­freu reformulação e os maiores beneficiados fo­­ram estados com critérios técnicos e disponibilidade em executar o programa.
Não existe hoje no país um levantamento específico sobre o número de assentamentos precários, mas o Censo 2010 dá uma in­­dicação do caos no setor ao mostrar que 11 milhões de famílias vivem em aglomerados subnormais, ou seja, áreas de ocupação irregular.
Menezes Junior explica que o Papel Passado atua essencialmente em regularização jurídica. O fo­­co são regiões providas de infraestrutura, mas sem título de propriedade. A regularização fundiária en­­volve um longo processo técnico. É preciso avaliar se os domicílios não estão em áreas de risco, fa­­zer realocações quando necessário e criar um projeto de urbanização que se adeque à legislação. De­­pois disso, é preciso reunir uma do­­cumentação para garantir o tí­­tulo de propriedade, certificado pe­­los cartórios. Só as custas cartoriais ficam, em média, em R$ 800.
Sem disposição
O projeto Papel Passado financia projetos de regularização apresentados por municípios e estados. Mas nem todos têm disposição para pleitear os recursos. A prefeitura de Curitiba, por exemplo, não solicita recursos do programa porque alega que o processo é bu­­ro­­crá­­tico e o valor repassado é pe­­­­que­no. Diretora técnica do ór­­gão, Tere­sa Oli­­veira explica que a maior di­­fi­­culdade para a habitação é o valor da terra. “Isso não é determinado pe­­lo poder público, mas pelo mercado.” Com a ampliação do crédito, algumas áreas chegaram a triplicar de valor. Na capital, optou-se por não fazer pagamentos em di­­nheiro para proprietários em caso de ocupações, mas sim permutas.
Para regularizar a região do bair­­ro Parolin, com 75 mil metros quadrados, foram in­­vestidos pelo município R$ 12 milhões.
Famílias trocam a beira de rios por casas da Cohab
O servente Juvercino de Freitas, 39 anos, conquistou na última semana, pela primeira vez, um documento garantindo a propriedade de uma casa própria. Há 18 anos ele veio de Iretama, na Região Norte do estado, para a capital em busca de melhores condições de vida. A família trabalhava em fazendas, mas, após o falecimento do pai, a situação financeira piorou. Freitas se instalou em Curitiba no único lugar que o acolheu: a beira do rio, no Jardim Acrópole, no bairro Cajuru.
Durante anos, ele a família conviveram com enchentes todos os anos. Certa vez, havia mais de um metro de água dentro de casa. Agora recebeu um terreno da Cohab e conseguiu construir uma pequena casa para a família. Nos próximos dez anos, vai pagar uma parcela de R$ 61,39 – valor ainda alto para um salário de R$ 800 que sustenta uma família de quatro pessoas.
O casal de aposentados Laura e Iedo Figalo, 58 e 65 anos, respectivamente, tem uma trajetória parecida. Vieram fugidos da violência no Rio de Janeiro e compraram uma casinha na beira do rio em 1999 por R$ 450. Com quatro filhos, não cabia aluguel no orçamento da família. Hoje Laura se orgulha de ter “uma casa boa”, com dois quartos, sala cozinha e banheiro. O importante é que afastou as filhas da violência e, entre elas, “só não estudou quem não quis”.
Papel Passado enviou R$ 718 mil ao Paraná
Em cinco anos, o Paraná recebeu do governo federal para a regularização fundiária R$ 718 mil, ficando em 10.º lugar no ranking da distribuição de recursos. No estado, há municípios com até 80% de moradias em situação de irregularidade fundiária, segundo a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar). Um dos exemplos é Conselheiro Mairinck, no Norte Pioneiro, onde a maior parte das residências é fruto de “contratos de gaveta”. O plano do governo do estado prevê que, até 2014, 8 mil famílias sejam alvo de regularização. Em 2011, a companhia concedeu 3,7 mil títulos de propriedade.
Não há um levantamento sobre a quantidade exata de moradias com irregularidade fundiária no estado. O governo estadual está fazendo este diagnóstico em parceria com as prefeituras. Presidente da Cohapar, Mounir Chaowiche afirma que para os municípios é um desafio realizar as regularizações porque há exigência de estrutura técnica, como engenheiros e advogados, além dos custos cartoriais. Para Chaowiche, a regularização desincentiva novas ocupações. “Quando a família tem o título de propriedade, ela se fixa no local”, diz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário