quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Quando fala da Rússia, Ocidente pratica “ignorância voluntária

Ilustração: Natália Mikhailenko
Boris Tumanov

Ao escrever sobre a Rússia, veículos internacionais de prestígio não se dão ao trabalho de conhecer melhor a realidade do país e fazem, não raro, conclusões absurdas, demonstrando assim não apenas suas ideias preconcebidas da Rússia, mas sua preguiça intelectual.
Os protestos contra o resultado das eleições parlamentares de dezembro passado causaram, como se esperava, uma nova onda de tentativas esporádicas da imprensa ocidental de compreender o que se passa na Rússia. Eu, por exemplo, fui abordado, durante vários dias seguidos por quase todos os meios de comunicação social francófonos para falar sobre o que se passava na Rússia. Para minha surpresa, o interesse se limitava a questões secundárias e não demonstrava o desejo de compreender as causas dessa manifestação sem precedentes na Rússia.  
Minhas suposições se confirmaram após o comício na avenida Acadêmico Sákharov, quando meus interlocutores, como se tivessem combinado de antemão, começaram a me perguntar por Aleksêi Naválni, apresentando-o como figura política importante, e sobre a declaração de Mikhail Gorbatchev em que o ex-líder soviético desafiou Vladímir Pútin a renunciar.
Tentei explicar a meus interlocutores que os aplausos que Aleksêi Naválni recebeu na praça Bolôtnaia e a passionalidade com que ele falou no comício ainda não significam que ele seja um líder reconhecido da oposição russa. Tentei explicar a meus colegas estrangeiros que os russos, cuja maioria continua favorável a Pútin, não precisam de apelos para “ir e tomar o Kremlin” ocupado por “vigaristas e ladrões”. Eles precisam de uma oposição que não só saiba gritar slogans mas também seja capaz de expressar e defender os interesses de determinadas camadas sociais. Por isso, por mais que eu respeite Mikhail Gorbatchev, acho que seu desafio lançado a Pútin não tem razão de ser.
Aconselhei meus colegas estrangeiros a prestar atenção ao fenômeno de Aleksêi Kúdrin e seu programa de desenvolvimento evolutivo da sociedade civil na Rússia, pedindo-lhes que não encarassem Naválni e Kúdrin como  líderes da oposição, mas como sintomas dos processos iniciados na sociedade russa. Ainda assim, meus interlocutores continuaram martelando os temas de seu interesse e não desejaram desperdiçar seu tempo com uma análise mais profunda da situação vivida em meu país. Mais do que isso, quando, depois da entrevista, eu quis explicar-lhes melhor minha postura, todo o meu discurso foi em vão. Eles não quiseram falar sobre assuntos que, em sua opinião, não teriam impacto.
Essa falta de curiosidade e de interesse pelos assuntos sobre os quais escrevem levou muitas publicações de prestígio a fazer conclusões absurdas e, o que é ainda pior, peremptórias.
Basta citar como exemplo o semanário norte-americano “Business Week”. Esse periódico não encontra um outro líder para a oposição russa senão o ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, porque ele, no entender do semanário, é o “único representante do movimento oposicionista reconhecido internacionalmente”. Outra publicação americana, o “Chicago Tribune”, afirma que Vladímir Pútin está muito bem familiarizado com o tratado de Sun Tzu “A Arte da Guerra”, partindo da tese de que Pútin usa contra seus oponentes a falta de organização que lhes é inerente, em plena conformidade com as recomendações do pensador chinês.
Essa ignorância voluntária, se podemos usar aqui essa expressão, é típica não só dos meios de comunicação de massa mundiais, mas também de todas as chancelarias políticas. A ignorância das diferentes realidades existentes nos países pode induzir a erros em assuntos políticos, como aconteceu com o Ocidente na Líbia e com a Rússia na Ossétia do Sul.
Quanto à tese de que o Ocidente encara inadequadamente a Rússia, tomo a liberdade de dizer, correndo o risco de causar indignação entre os adeptos da teoria de “conspiração mundial” contra a Rússia, que é resultado de uma preguiça intelectual e não de uma atitude preconcebida dos países da região. Em certa medida, é também uma consequência do comportamento da Rússia, que durante setenta anos se manteve impermeável ao mundo externo, impedindo-o de conhecer sua realidade de fato e não aquela inventada no departamento ideológico do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética.
Por mais aberta que esteja agora a sociedade russa, o Ocidente não deixa de encarar o país através do prisma de estereótipos obsoletos, sejam eles negativos ou positivos, não se dando ao trabalho de se desligar das associações habituais primitivas como caviar, Dostoiévski, balalaika, vodca, dissidentes, KGB, oligarcas, matriochka e marinheiros revolucionários. Sua preguiça intelectual já impediu os países ocidentais de compreenderem as causas reais da desagregação da URSS e os acontecimentos posteriores. Hoje, ignorante e pragmático, o Ocidente está cometendo o mesmo erro, pensando que os processos de globalização conduzirão, mais cedo ou mais tarde, a humanidade a um denominador democrático comum.
Com efeito, só aquele que vive em um mundo irreal pode realmente acreditar que Garry Kasparov tem reconhecimento internacional como líder da oposição russa, ignorando o fato de a maioria dos russos não se interessar em saber quão populares são seus políticos nos “círculos internacionais”.
Se o Ocidente - e especialmente a Europa - quer realmente ver, num futuro mais ou menos distante, uma Rússia civilizada, deve aprofundar com paciência seus conhecimentos sobre a sociedade russa, se desligar das noções estereotipadas e primitivas sobre o país e não atender às demandas dos “microliberais” russos. Devem parar de ser preguiçosos e começar a estudar profundamente os processos sociais cada vez mais complicados em curso na Rússia. Devem compreender finalmente que os processos operados na Rússia não se encaixam, por razões óbvias, em sua experiência histórica, que tanto citam para desculpar sua relutância em analisar as causas dos “caprichos exóticos” da mentalidade russa e da evolução social do país.
Isso tudo é importante não só para a Rússia, mas também para o Ocidente, pois a alternativa ao processo de afirmação de uma sociedade civil iniciado pela primeira vez na sociedade russa poderá ser o retorno imediato do país ao autoritarismo e à política de isolamento.

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