quinta-feira, 19 de abril de 2012

A estratégia do Irã

Por séculos, o dilema enfrentado pelo Irã (e antes dele, pela Pérsia) tem sido o de garantir a sua sobrevivência nacional e autonomia em face de poderes regionais mais fortes, como o dos impérios turco-otomano e russo. Embora sempre mais fraco do que esses impérios maiores, o Irã sobreviveu por três razões: pela geografia, por seus recursos naturais e pela diplomacia. O tamanho do Irã e seu terreno montanhoso sempre representaram uma dificuldade e um perigo para as incursões militares em seu território. O Irã também sempre mostrou habilidade em reunir suficiente força de campo para deter eventuais ataques estrangeiros enquanto permitia afirmações ocasionais de poder. Ao mesmo tempo, Teerã sempre esteve engajada em esforços diplomáticos inteligentes, jogando potências ameaçadoras umas contra as outras.

A intrusão de potências imperiais europeias dentro da região constituiu as dificuldades do Irã no século XIX, juntamente com o estabelecimento do poder britânico a oeste do país, no Iraque, e na Península Arábica após o fim da Primeira Guerra Mundial. Isto coincidiu com a transformação da economia global num sistema centrado no uso do petróleo.

Daí então, a região passou a ser uma das principais fontes globais de petróleo. Onde os britânicos tinham interesses genéricos, a emergência do petróleo como a base do poder industrial e militar fez com que tais interesses se tornassem urgentes e vitais. Após a Segunda Guerra Mundial, americanos e soviéticos tornaram-se as potências estrangeiras com a capacidade e vontade de influenciar a região, mas a realidade estratégica básica iraniana persistiu. O Irã enfrentou ameaças tanto globais como regionais com as quais teve que lidar repelindo-as ou alinhando-se com elas. E, em função do petróleo, as potências globais não perderam seu interesse no país, ao passo que as potências regionais não tiveram a opção de perder esse interesse.

Tanto sendo governado pelo Xá ou pelo Aiatolá, a estratégia do Irã permaneceu a mesma: deter pela geografia, proteger com forças defensivas, e exercitar suas complexas manobras diplomáticas. Todavia, por baixo dessa realidade, o Irã sempre esteve à espreita de outra visão.

O Irã como uma potência regional

Esse conceito do Irã – de um país com uma postura essencialmente defensiva – como uma potência regional se consolidou. O Xá competia com a Arábia Saudita sobre Omã e sonhava com armas nucleares. Ahmadinejad duela, por Bahrein, com a Arábia Saudita por Bahrein, que também ambiciona ter armas nucleares. Quando se enxerga para além da retórica – algo que devemos fazer sempre que estudamos sobre política externa, uma vez que a retórica é usada para intimidar, seduzir e confundir potências estrangeiras e o público em geral – constata-se uma continuidade substancial na estratégia iraniana desde a Segunda Guerra Mundial. O Irã ambiciona conseguir domínio regional ao se libertar de suas limitações e das ameaças representadas pelas demais potências regionais.

Desde a última guerra mundial, o Irã teve que lidar com perigos regionais, como o Iraque, com o qual travou uma guerra brutal que durou quase uma década e que custou ao Irã cerca de um milhão de baixas. Teve também que lidar com os EUA, cujo poder no final das contas definiu padrões na região. Desde que os EUA passaram a ter um exacerbado interesse na região, o Irã não teve alternativa senão a de definir suas políticas em termos americanos. Para o Xá Rheza Pahlevi, isto significou submeter o país aos EUA enquanto sutilmente tentava controlar as ações americanas por lá. Para a república islâmica, significou se opor aos EUA enquanto tenta manipular suas ações adotando medidas de interesse do Irã. Ambos agiram dentro da tradição iraniana de uma estratégia sutilmente elaborada.

A república islâmica provou ser mais bem sucedida do que o reinado do Xá. Conduziu uma sofisticada campanha de desinformação que antecedeu a guerra de 2003 no Iraque para convencer os EUA de que invadir o Iraque seria militarmente fácil e que os iraquianos até receberiam os americanos de braços abertos. Isto alimentou os existentes desejos americanos de invadir o Iraque, tornando-se um fator a mais entre os muitos que fizeram a invasão parecer factível. Numa segunda fase, os iranianos ajudaram muitas facções no Iraque a resistir aos americanos, tornando a ocupação – e os planos para a reconstrução do Iraque segundo os projetos estadunidenses – um pesadelo. Numa terceira e última fase, o Irã está usando sua influência política e religiosa no Iraque para dividir e paralisar o país após a retirada já em curso dos americanos.

Como resultado desta manobra, o Irã já conquistou dois objetivos. Primeiro, os americanos depuseram o arqui-inimigo do Irã, Saddam Hussein, fazendo com que o Iraque se tornasse estrategicamente aleijado. Segundo, o Irã ajudou a forçar a saída americana do Iraque, criando um vácuo de poder no país e desmoralizando a credibilidade americana na região – e minando qualquer apetite dos EUA para posteriores aventuras militares no Oriente Médio. Deve-se enfatizar que tudo isso não foi um estratagema iraniano: muitos outros fatores contribuíram para esta sequência de eventos. Ao mesmo tempo, a manobra iraniana não foi menor no processo; o Irã explorou com competência os eventos que ele mesmo ajudou a moldar.

Houve nisto um ponto defensivo. O Irã via os EUA invadirem países que o circundavam, o Iraque no oeste e o Afeganistão no leste. Enxergava os EUA como extremamente poderosos e imprevisíveis ao ponto de serem irracionais, embora também capazes de serem manipulados. Teerã, portanto, não podia desconsiderar a possibilidade dos EUA escolherem guerrear contra o seu país. Retirar os EUA do Iraque, entretanto, limitou o leque de opções dos americanos na região.

Tal estratégia também teve uma dimensão ofensiva. A retirada dos EUA do Iraque posicionou o Irã para preencher o inevitável vácuo de poder. De forma crítica, a geopolítica da região criou uma abertura para o Irã provavelmente pela primeira vez em séculos de história. Primeiro, o colapso da União Soviética afrouxou a pressão vinda do norte. Com o colapso otomano proveniente da Primeira Guerra Mundial, o Irã então não mais passou a enfrentar uma potência regional que pudesse desafiá-lo. Segundo, com volta dos americanos para casa, as forças globais no Golfo Pérsico e no Afeganistão passaram a ter opções militares limitadas e opções políticas ainda mais limitadas de ação contra o Irã.

A oportunidade do Irã

O Irã agora tem a oportunidade de considerar ser mais uma potência regional emergente do que unicamente se dedicar a manobras complexas para proteger a autonomia iraniana e a soberania do regime islamo-fascista instalado no país. Os iranianos compreenderam que as disposições das potências globais mudaram de forma imprevisível, a dos EUA mais do que a da maioria das outras. Portanto, o país soube que quanto mais agressivo ele se tornasse, mais os EUA poderiam militarmente se comprometer em contê-lo. Ao mesmo tempo, os EUA poderiam agir desta forma mesmo sem qualquer ação iraniana. Apropriadamente, o Irã buscou uma estratégia que pudesse solidificar sua influência regional sem, todavia, desencadear uma retaliação americana.

Quem quer que estude os Estados Unidos da América, compreende a preocupação desse país com armas nucleares. Através da Guerra Fria os americanos viveram na sombra de um possível primeiro ataque soviético. O governo Bush usou a possibilidade remota de um Iraque nuclear para reunir apoio ocidental para a invasão, com base na existência, hoje desmistificada, de ‘armas de destruição em massa’. Quando os soviéticos e os maoistas chineses obtiveram armas nucleares, a resposta americana beirou o pânico. Os EUA simultaneamente se tornaram mais cautelosos e precavidos em suas abordagens com relação a esses países.

Ao olhar a Coreia do Norte, os iranianos reconheceram um padrão do qual eles poderiam tirar vantagem. A sobrevivência da ditadura norte coreana, num país de pouca significância, era incerta na década de 1990. Quando esta pequena economia levou adiante um programa nuclear, no entanto, os EUA concentraram pesadamente o seu foco na ameaçadora Coreia do Norte, passando a ter mais cautela ao lidar com ela.

Uma atividade diplomática tremenda e ajuda periódica ao miserável povo massacrado pela ditadura norte-coreana foram estabelecidas para manter o programa nuclear de Kim Jong II dentro de limites seguros. Do ponto de vista norte-coreano, na verdade, adquirir armas nucleares prontas estava fora de questão; a Coreia do Norte não era uma potência importante como a China ou a Rússia, e um erro de cálculo da parte de Pyongyang poderia levar a mais agressão dos EUA. Ao invés disso, o processo de desenvolvimento de armas nucleares em si inflou a importância da Coreia do Norte enquanto passou a induzir os EUA a oferecer incentivos ou impor sanções econômicas relativamente ineficientes (e, pois evitando ações militares mais perigosas). A Coreia do Norte se tornou a peça chave da preocupação americana, ao passo que os EUA evitaram ações que pudessem desestabilizar a Coréia do Norte e tornar inutilizáveis as armas nucleares que o país pudesse ter.

Os norte-coreanos sabiam que tendo uma arma nuclear pronta para uso era uma estratégia perigosa, mas tal programa de desenvolvimento de armas nucleares daria ao país um nivelamento, embora possivelmente tornasse o povo mais miserável ainda – algo que nunca preocupou muito
Pyongyang, mas que os iranianos aprenderam muito bem. Do ponto de vista iraniano, um programa nuclear faz com que os EUA simultaneamente os levem mais a sério e aumente sua cautela ao lidar com o Irã. No momento atual, os EUA lideram um grupo de países com diversos graus de entusiasmo quanto à imposição de sanções econômicas que podem causar dor social ao Irã, o que dá aos EUA e seus aliados um pretexto para não encetar uma ação militar que o Irã realmente teme e que os americanos não querem mesmo levar adiante.

Israel, no entanto, tem que adotar uma postura diferente em face do programa nuclear e das possíveis armas nucleares do Irã, uma vez que, explicitamente, o regime islamo-fascista de Mahamoud Ahmadinejad já gritou para o mundo inteiro ouvir a sua intenção de «varrer Israel do mapa». Apesar de não ameaçar os EUA, o programa nuclear iraniano ameaça explicitamente a existência do Estado de Israel, única ilha de excelência civilizacional na região. O problema dos israelenses é que eles têm que confiar na inteligência do Mossad quanto ao nível de informação relativa ao possível – para eles provável – programa de armas nucleares do Irã. Os EUA podem aguentar um erro de cálculo; Israel pode não ter essa capacidade. Esta incerteza torna Israel imprevisível… E perigoso. Do ponto de vista iraniano, entretanto, um ataque israelense poderia ser bem vindo.

O Irã não tem armas nucleares e podem estar seguindo a estratégia norte-coreana de nunca ter armas prontas para o uso. Se estiverem procedendo assim, todavia, e os israelenses atacarem e destruírem suas instalações atômicas, os iranianos teriam razões para adquirir armas nucleares no ‘mercado prêt-à-porter’. Mas, se os israelenses atacarem e não conseguirem destruir as tais instalações, os iranianos emergiriam do episódio mais fortes e com todas as justificativas para desenvolverem um arsenal nuclear. Poderiam, os persas, retaliar fechando o Estreito de Hormuz, embora isso certamente empurraria a OTAN para o lado dos israelenses, algo que Teerã não deseja de forma alguma. Por isso, as ameaças de Ahmadinejad de fechar o estreito, analisadas sob o cálculo frio das opções estratégicas válidas, não passam de retórica. Os EUA, que em última análise são a salvaguarda e a garantia do fluxo marítimo global de petróleo da Arábia Saudita e vizinhança teria motivos mais do que suficientes para se engajarem militarmente contra o regime de Teerã. A guerra é a continuação da diplomacia e a solução mais cara e arriscada. Não interessa nem ao Ocidente, muito menos ao Oriente Médio, e tampouco às potências maiores do Oriente, como China, Rússia e os chamados «tigres asiáticos», países que teriam muito a perder pela simples proximidade de um conflito armado dessa natureza. Assim, é de se esperar que as tratativas diplomáticas coloquem juízo nas cabeças de ambos os lados para que não cheguem às vias de fato. Um ataque israelense às instalações nucleares persas, seja ou não bem sucedido, criaria o palco para que o Irã tomasse providências que poderiam ameaçar a economia global – por mais temerosos que estejam das suas consequências –, fariam com que Israel assumisse um papel de vilão, e resultaria em que os EUA fossem forçados pelas potências europeias e asiáticas a, de fato, garantir o fluxo de petróleo para o Ocidente (e até para o próprio Oriente) mediante inicialmente algumas concessões diplomáticas mas, eventualmente, através de ações militares. Tal ataque israelense, independente do seu resultado, custaria pouco ao Irã e criaria, para os persas, oportunidades substanciais. Acredita-se que os iranianos querem um programa nuclear de geração de eletricid
ade, não de armas atômicas, mas ocorrendo um ataque israelense o programa se destinaria também à produção de ogivas nucleares da forma mais justificada possível.

A opção nuclear se situa na categoria de manipulação iraniana de potências regionais e globais, um jogo perigoso, mas, também, uma longa e histórica necessidade para os persas. Mas, outro, e mais significativo, evento está a caminho na Síria.

A importância da Síria para o Irã

Enquanto essa análise é escrita, caso o regime sírio de Al Assad sobreviva, isto se dará em parte em função do apoio iraniano. Isolada do resto do mundo, a Síria se tornaria dependente do Irã. Se tal coisa acontecer, a esfera de influência iraniana se estenderia do oeste do Afeganistão a Beirute no Líbano. Tal ocorrência, por sua vez, alteraria fundamentalmente o equilíbrio de forças no Oriente Médio, satisfazendo a ambição do Irã de se tornar uma potência regional dominante no Golfo Pérsico e além. Isto seria o velho sonho do Xá e dos Aiatolás. E é por isso que os EUA estão atualmente tão obcecados com a Síria.

O que tal esfera de influência proporcionaria aos iranianos? Três coisas.

Primeiro, forçaria a potência global dos EUA a abandonar qualquer ideia de destruir o Irã, pois o fôlego de sua influência produziria perigosamente resultados imprevisíveis. Segundo, legitimizaria o regime ditatorial iraniano e para além de qualquer legitimidade que possa atualmente ter. Terceiro, com aliados ao longo das fronteiras ao norte da Arábia Saudita no Iraque e Síria ao longo da costa oeste do Golfo Pérsico, o Irã poderia forçar mudanças na distribuição financeira das rendas do petróleo. Deparando-se com as necessidades de preservação de seus regimes, a Arábia Saudita e os demais estados do golfo teriam que ser mais flexíveis com as exigências persas, para citar o menos. Desviando esse dinheiro para Teerã fortaleceria enormemente o país.

O Irã tem posto em prática sua estratégia sob os regimes de várias ideologias. O Xá, que muitos consideravam psicologicamente instável e megalomaníaco, buscava aplicar essa estratégia com moderação e cuidado. O regime atual de um politburo islamo-fascista, também considerado ideológica e psicologicamente instável, tem sido igualmente contido em suas ações. Retórica e ideologia podem errar, e usualmente é para isso que elas servem.

Tal estratégia no longo prazo, praticada desde o século XVI depois que a Pérsia se tornou islâmica, agora assiste a abertura de uma janela de oportunidade, concebida de certo modo pelo próprio Irã. O objetivo de Teerã é o de ampliar a paralisia americana na região enquanto explora as oportunidades que a retirada americana do Iraque está criando.

Simultaneamente, a autoritária teologia política de Teerã quer criar uma esfera de influência coerente para fazer com que os EUA tenham que se acomodar com o fim de satisfazer a demanda de sua coalizão por um suprimento estável de petróleo para o resto do mundo e de limitar qualquer conflito na região.

O Irã está buscando executar uma estratégia de duas partes, para tal fim. A primeira é evitar providências repentinas, de modo a permitir que os processos sigam naturalmente os seus cursos. A segunda é criar uma diversão através de seu programa nuclear, fazendo com que os EUA repitam a mesma política que aplicaram na Coreia do Norte no Irã. Caso o programa nuclear persa leve a um ataque aéreo israelense, o Irã poderá por sua vez tirar vantagem disso também. Os iranianos entendem que ter armas nucleares é perigoso, mas ter um programa de armas nucleares é vantajoso. Porém, a chave não é o programa nuclear, que é apenas uma ferramenta para desviar a atenção do que está realmente acontecendo – uma considerável mudança no equilíbrio de poder no Oriente Médio.


George Friedman é um americano cientista político e autor. Ele é o fundador, chefe oficial de inteligência , superintendente financeiro e CEO do privado inteligência empresa Stratfor. Ele é autor de vários livros, incluindo os próximos 100 anos e a Próxima Década e guerra secreta da América e The Edge Inteligência e da vinda guerra com o Japão e o futuro da guerra.
http://en.wikipedia.org/wiki/George_Friedman

Tradução de FRANCISCO VIANNA

Nenhum comentário:

Postar um comentário