sexta-feira, 27 de abril de 2012

O avanço da Frente Nacional, entre a tradição francesa e a mutação europeia

O avanço da Frente Nacional no primeiro turno da eleição presidencial francesa acompanha uma longa tradição da extrema-direita na França e a mutação contemporânea dos movimentos populistas na Europa, afirmou o historiador Pierre-André Taguieff em entrevista à AFP.
Os movimentos de extrema-direita não são novos na história da França, basta citar o caso Dreyfus, que inspirou o célebre artigo de Emile Zola "Eu acuso", no final dp século XIX, ou o governo colaboracionista de Vichy durante a Segunda Guerra Mundial, mas quais são os pontos comuns entre eles e a atual ascensão da ultradireita?
"Desde o final do século XIX, esses partidos nacionalistas combinam de diversas maneiras a dimensão contestatória e a dimensão identitária. A primeira se baseia em um antiparlamentarismo virulento; a segunda, em um nacionalismo xenófobo de base etno-racial ("estrangeiros fora", "morte aos judeus)", ressaltou Taguieff, historiador especialista em racismo e o antisemitismo.
"Na França, predominam os ''anti'', o voto ''contra''. Este é um terreno favorável cultural e antropológico, onde prospera a extrema-direita", acrescentou.
"Outro elemento é que na França, desde 1945, há uma rejeição ao nacionalismo que o relega à margem do consenso republicano, mas há regularmente retornos do relegado", ressaltou.
Para ele, há um "paradoxo" no país, que "aceita a assimilação permitindo ao estrangeiro se dissolver a ponto de ser invisível, mas que pode ser sumamente xenófobo quando existe a menor suspeita de que o estrangeiro queira permanecer alheio à cultura e à identidade francesas".
O avanço de Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, não ocorre ao acaso?
"O atual avanço não é um acidente, mas tem dimensões inéditas. O novo FN se inscreve na tradição da extrema-direita francesa, mas levando em consideração transformações da extrema-direita na Europa a partir dos anos 90", respondeu Taguieff.
Ele acrescentou que essas mutações são "o abandono progressivo de referências ao fascismo e ao nazismo para ter como foco a questão da imigração e da cultura muçulmana dos imigrantes, e o abandono do antissemitismo na maioria dos partidos".
"Este é um componente que foi sendo desenvolvido depois do 11 de Setembro de 2001, quando o ''perigo islâmico'' substituiu o ''perigo judeu''", considerou o historiador.
Na Europa, "as novas formas de populismo são caracterizadas por sua orientação antipolítica. Em seus discursos públicos, já não se opõem à democracia liberal pluralista, mas pretendem defender valores: liberdade de opinião, laicismo, igualdade homens-mulheres, etc. Ou seja, a rejeição da islamização está inscrita em um registro de valores e de normas".
Esses movimentos "têm todos os principais traços do nacional-populismo lepenista: apelo ao povo contra as elites, apelo à mudança que implica uma ruptura purificadora" o apelo para "limpar o país de elementos que, supostamente, não podem ser assimilados".
Por que os eleitores franceses já não têm vergonha, como antes, de dizer que votam neste partido?
"O novo FN absorveu um certo número de movimentos claramente neofascistas e os transformou em um grande movimento nacionalista conservador", afirmou.
"Marine Le Pen se redefiniu, pretendendo romper com o antissemitismo", já que "a nova ameaça é representada pelo Islã".
Com isso, "abandonou o anticomunismo, agora antiquado", e adotou novos temas, como a "antiglobalização, a crítica à construção europeia e o medo da islamização", analisa o historiador.
"Esses novos tipos de rejeição são amplamente compartilhados pela população. Marine Le Pen assumiu as questões ideológicas predominantes. A culpa se evaporou porque seu discurso deixou de lembrar o discurso neofascista das velhas extremas-direitas europeias que prevaleceu entre 1945 e 2000", ressalta Taguieff.
"Antes o FN era perigoso para a democracia, mas não tinha a menor possibilidade de produzir realmente efeitos porque estava totalmente marginalizado. Hoje é perigoso para a sociedade francesa porque há riscos de que penetre no espaço político dos partidos que critica", concluiu o historiador.

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